Domingo, 21. A Primavera derramou-se em flores pelos caminhos, apenas para ver passar a Senhora Peregrina, que vinha de S. Jorge. A tarde, calma e doce, abraçava o tempo e trazia as gentes para a rua. As casas esqueceram a chuva e abriram-se de par em par, como em dia de festa ou de romaria ou de procissão antiga.
De repente, numa curva inesperada, um altar. O templo tinha a serra como abóbada. As velas acendiam os olhos. Apesar do dia. Apesar da luz que o verde da montanha projectava na estrada.
Nas casas, penduradas nas varandas, colgaduras. De tudo, se fez a festa: das colchas que branqueavam os muros gastos das casas; das imagens de um Cristo ou de uma Virgem estampadas em estandartes, em cobertas, em toalhas que nunca serviram à mesa. E, por todo o lado, gente. Gente que animou os terraços. Gente que interrompeu o passeio de domingo para esperar a caravana que, pelo fogo que se ouvia, havia de estar a sair da igreja. Gente que coloriu o caminho e enfeitou o ar de balões brancos e azuis, que plantou jarros nas paredes que seguram as terras nos invernos. Gente que se vestiu de doçura e esperou que a Imagem passasse e, com um olhar, lhe curasse as feridas e lhe devolvesse a alegria.
No meio da estrada, à espera também, três crianças vestidas a rigor, tinham as mãos postas muito antes da Senhora sair de S. Jorge, não fosse a imagem passar e eles não estarem preparados.
Domingo, 21. Fechava-se novo capítulo neste peregrinar pela ilha. O Arciprestado de Santana entregava a Senhora ao Funchal. Num carro vermelho, transformado em altar, numa nuvem de flores brancas, a Senhora sorria. Posso jurar que sorria aos lenços brancos que lhe acenavam, ao eco das palmas que a Primavera emprestou a quem ficou à espera.
Domingo, 21. Nossa Senhora foi ter com outros filhos. Os que, um dia, se Deus quiser, hão-de ensiná-La nos púlpitos.
Graça Alves
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